A pandemia de Covid-19 virou sinônimo de tragédia para uma família de Manaus, onde o sistema de saúde entrou em colapso devido ao elevado número de infectados pelo coronavírus. No intervalo de 13 dias, três familiares morreram em virtude da doença. Eles moravam na mesma rua, no bairro Alvorada, na Zona Centro-Oeste da capital do Amazonas.
A primeira morte pelo coronavírus ocorreu na casa onde residiam Júlia Gomes, de 93 anos, e seu filho Itamar Gomes, de 43 anos. A matriarca da família morreu no dia 15 de abril, no Serviço de Pronto Atendimento (SPA) da Alvorada, após dar entrada com sintomas de Covid-19. Ela tinha dificuldades para respirar e estava com febre alta.
Mal enterraram dona Júlia e os familiares tiveram que lidar com outro luto. Dessa vez, foi a morte de Itamar, que trabalhava como vigilante. Ele morreu no dia 18 de abril no Hospital Delphina Rinaldi Abdel Aziz e também sentia falta de ar e febre. Mãe e filho foram enterrados sem velório, mas em túmulos individuais. Naquele momento, ainda não eram feitos enterros de corpos em valas comuns.
Enterro de Sergio Gomes, morador de Manaus, vítima de Covid-19 Foto: Reprodução
Mãe e filho moravam na Rua Independência a seis casas de distância do marceneiro aposentado Sérgio Gomes da Silva, de 76 anos, primo de Júlia. Os encontros familiares eram frequentes. Mas desde a começo das orientações para distanciamento social eles não se viam.
Sérgio morreu na manhã de segunda-feira (27) no SPA da Alvorada. Ele deu entrada às 7h na unidade de saúde, com falta de ar. Cerca de 40 minutos depois o médico informou que foi feita uma tentativa de reanimação mas o paciente não resistiu e morreu.
“É triste porque eram parentes, eram amigos. E além deles também morreram outras três pessoas aqui na rua com coronavírus no último mês. Todos viviam há mais de 40 anos no mesmo endereço e todos eram muito próximos”, afirmou o filho de Sérgio, o autônomo Davi Mendes da Silva, de 36 anos.
Rede de saúde de Manaus, capital do Amazonas: situação crítica no atendimento às vítimas Foto: MICHAEL DANTAS / AFP
PREOCUPAÇÃO COM ENTERRO
Após a morte do pai, Davi e um irmão se revezaram por mais de 24h no necrotério anexo ao SPA Alvorada para conseguir a liberação do corpo e enterrar o pai em um cemitério particular onde a família tinha um túmulo. A maior preocupação deles era enterrar o pai de forma digna.
“Enquanto eu esperava no necrotério com certeza morreram mais de dez pessoas. Estavam todos no mesmo desespero que eu. Ninguém quer seu ente querido em uma vala comum. Eles estavam misturando os mortos, sem dignidade alguma. Enterram como se fossem bichos, com tratores. É uma humilhação que a pessoa passa. Pensa você fazer visita mais tarde, não vai saber quem é quem”, reclamou Davi.
A Prefeitura de Manaus emitiu um comunicado nesta terça-feira (28) para informar que não serão mais realizados sepultamentos em sistema de camadas, nos quais os caixões ficam sobrepostos e sem separação definida. No entanto, vai manter o modelo de trincheiras e se comprometeu a preservar a identidade dos corpos e o vínculo das famílias.
Nas casas de Júlia e Sérgio as pessoas cumprem quarentema e tentam manter o isolamento social. No terreno onde Júlia morava ainda vivem cinco famílias, dos seus filhos e netos. Na residência de Sérgio ainda moram 12 pessoas: a viúva, sete filhos e quatro netos.
“Tomamos a decisão de evitar contato social mas estamos aqui preocupados, desamparados, sem saber o que fazer. O medo é grande. Eu pude presenciar de perto as famílias chegando ao hospital com os parentes já mortos. Isso assusta”, afirmou Da