Os governos britânico e espanhol monitoram ruas com drones para advertir quem viola a quarentena; o israelense já multou 900 pessoas que se afastaram mais de cem metros de sua casa. Regimes autoritários, contudo, se valem da pandemia do novo coronavírus para intensificar táticas de repressão contra os que desafiam o isolamento, acendendo também o alerta de organizações de direitos humanos.
Foi assim nas Filipinas, onde o presidente Rodrigo Duterte deu ordem às forças de segurança para fuzilar quem desrespeitasse o bloqueio determinado pelo governo para combater a propagação da Covid-19. A ameaça deve ser levada a sério, adverte a Anistia Internacional: centenas de pessoas foram mandadas para celas superlotadas quando saíam em busca de comida.
Trabalhadores migrantes cozinham em calçada de Nova Délhi, na Índia, nesta sexta-feira (3) — Foto: Adnan Abidi/ Reuters
Em sua campanha fora da lei contra drogas, o governo Duterte é acusado de mandar assassinar milhares de filipinos por meio de esquadrões da morte. Agora usa táticas semelhantes para enfrentar outro inimigo — o novo coronavírus, que já infectou pelo menos 2.300 filipinos e matou 96.
“Existe um vírus muito mais mortífero do que o coronavírus. Ele está sendo espalhado por ninguém menos do que o presidente, que é responsável pelas milhares de vidas perdidas decorrentes de suas políticas assassinas, dirigidas contra os pobres”, denunciou a ONG Karapatan.
O presidente da Índia, Narendra Modi, pediu desculpas depois que correram o mundo as cenas de policiais usando cassetetes para espancar populares que escaparam da quarentena. O desafio é hercúleo: manter 1,3 bilhão de pessoas em casa por três semanas para não sobrecarregar o já deteriorado sistema de saúde do país. Mas nada justifica a utilização de métodos violentos para fazer valer o respeito ao isolamento social.
"Eu sei que muitos de vocês vão me odiar, mas essas medidas difíceis foram necessárias para vencermos a batalha”, resumiu Modi.
Presidente das Filipinas, Rodrigo Duterte, conversa com jornalistas na segunda-feira (30) — Foto: King Rodriguez/ Malacanang Presidential Photographers Division/ AP
Na África do Sul, balas de borracha, gás lacrimogêneo e até chicotes foram utilizados pelas forças de segurança para organizar filas em mercados ou castigar quem era flagrado fora de casa sem justificativa. Os três mortos nessas ações desde o início da quarentena se igualam ao das vítimas da pandemia, nos cálculos da Anistia Internacional.
O foco da polícia de Uganda é a comunidade LGBT+: 20 homossexuais e transgêneros foram presos desde o início da quarentena sob a alegação de desrespeitarem as regras de distanciamento social.
A ONG Human Rights Watch considera que o uso excessivo da força no Quênia prejudica, inclusive, os esforços para controlar a propagação da pandemia. Em Mombaça, por exemplo, a polícia espancou passageiros que aguardavam na fila do ferry, antes que o toque de recolher entrasse em vigor.
Em imagens que se repetem, centenas de pessoas ficaram amontoadas no chão e receberam socos e pontapés. São táticas que se revelam ainda mais contraproducentes quando o objetivo é deter a propagação do vírus.
Moradores assistem de suas varandas a polícia e as forças de defesa nacional revistarem um bar por suspeita de estar aberto ilegalmente no centro de Joanesburgo, na África do Sul, em 30 de março. O país entrou em um bloqueio nacional por 21 dias para controlar a propagação do novo coronavírus — Foto: Jerome Delay/AP