Quem vê Leidy vendendo sobremesas em um dos quiosques de um shopping no bairro dos Bancários, em João Pessoa, dificilmente desconfia que a jovem de 24 anos amargurou dias de dificuldade até se estabilizar na Paraíba, ter casa e emprego. Leidy Rondon, venezuelana da cidade de Bolívar, precisou superar preconceito, suas próprias inseguranças e o desconhecido para buscar uma vida mais digna.
Há três anos no Brasil e cerca de um ano e meio na Paraíba, Leidy Rondon, que é psicóloga por formação na Venezuela e atualmente trabalha como funcionária em uma rede de fast food na capital paraibana, relembra que precisou sair da própria zona de conforto, da vida relativamente estável no próprio país, para alcançar os objetivos que tinha traçado para ela.
“Eu tinha uma vida estabilizada. Estudei psicologia e sonhava conseguir um trabalho na minha área assim que me formasse. Mas, meu país entrou em uma grave crise. Não tínhamos mais empregos, tudo ficou muito caro, não tínhamos nem oferta das coisas básicas. Foi então que decidi fugir para o Brasil para tentar condições melhores de vida”, conta.
Logo após acabar a faculdade, aos 22 anos, se vendo pressionada pela crise política e econômica do país, Leidy Rondon veio para o Brasil pelo estado Roraima. No Norte, ela aprendeu a falar e escrever português e morou até ser incluída no programa de interiorização de refugiados do Brasil. Ela estava no primeiro voo que trouxe 44 imigrantes venezuelanos para a Paraíba, em julho de 2018.
Leidy Rondon é formada em psicologia na Venezuela, mas, refugiada, trabalha vendendo sorvetes no Brasil — Foto: André Resende/G1
Após ser acolhida em terras paraibanas, pela Pastoral do Imigrante, Leidy Rondon foi com os demais refugiados para um abrigo na cidade do Conde, no Litoral Sul da Paraíba, onde morou por seis meses. A assistência do Estado foi fundamental para que a jovem venezuelana seguisse lutando para conquistar seus objetivos.
“Nesse tempo no abrigo eles ajudaram bastante, eu tirei todos os meus documentos brasileiros, tive ajuda para imprimir currículos, e tentar arrumar emprego. Queria muito ter condições de ajudar meus pais”, comentou.
Não demorou muito e Leidy Rondon foi chamada para uma entrevista de emprego em uma rede de fast food, onde trabalha há pouco mais de um ano. Ela lembra que houve muito interesse na sua contratação, porque mesmo com o número de telefone com DDD de Roraima, a empresa ligou por diversas vezes para manter contato com a venezuelana e formalizar a contratação.
Ela e outros três venezuelanos foram contratados pela empresa dentro do programa para inclusão e diversidade nas contratações dos funcionários. “Sou muito agradecida pela oportunidade, pelo carinho e atenção dos colegas de trabalho e clientes, que na maioria das vezes mostram curiosidade quando ouvem meu sotaque e me perguntam de onde vim e querem saber como está a situação na Venezuela”, explicou.
Atualmente ela mora no bairro de Mangabeira, de aluguel, ao lado de duas primas e o marido de uma delas. Leidy Rondon usa parte do salário que ganha vendendo sorvetes no shopping para ajudar financeiramente a família, que segue na Venezuela. A distância de casa são diminuídas pelas ligações e os aplicativos.
“Hoje vivo melhor no Brasil, que em meu país. Consegui um emprego formal, tenho documentos e já falo bem o português. Até consigo ajudar um pouco minha família”, relata.
Leidy Rondon veio para o Brasil em busca de emprego e hoje considera que vive melhor que na Venezuela — Foto: André Resende/G1
Povo acolhedor e sonho brasileiro
Leidy Rondon viveu os dois lados de ser imigrante. Sofreu com o preconceito e a hostilidade de algumas pessoas quando estava em Roraima, mas, segundo ela, sentia a diferença na convivência quando chegou à Paraíba. “O povo daqui é acolhedor, trata você muito bem, tem interesse em ouvir sua história. Na Paraíba eu fui muito bem recebida”, explicou.
A recepção foi a melhor possível, mas a adaptação cultural não foi tão simples, segundo Leidy. A principal dificuldade encontrada foi na alimentação. “Eu senti muita dificuldade na parte da comida, aqui as pessoas comem feijão todo dia, é uma cultura diferente da nossa lá na Venezuela”, completa Leidy.
Por ter sido acolhida como refugiada no Brasil, Leidy Rondon não pode retornar ao país natal. Ela garante que não pensa em voltar, quer tentar futuramente a cidadania brasileira. “Estou no Brasil há três anos, dizem que com cinco eu já posso começar a buscar uma dupla cidadania e me tornar brasileira. Quem sabe eu não consigo?”, confidenciou a jovem.
Aliado ao sonho de se tornar brasileira de direito, já que ela se sente como tal de fato, Leidy Rondon tem como objetivo revalidar seu diploma de formação em psicologia e conseguir trabalhar na sua área. “Sonho poder revalidar meu diploma e trabalhar como psicóloga. Ter a vida que eu sempre sonhei ter antes da crise que me forçou a deixar o meu país”, revela a jovem.
Ela conta que chegou a ir até a UFPB para buscar informações de como dar entrada no processo de revalidação do diploma, mas esbarrou na burocracia. “Meus documentos ficaram todos na Venezuela, porque saí muito rápido de lá, vim quase com a roupa que estava vestida. Falaram na UFPB que para dar entrada eu precisaria dos meus documentos de venezuelana, os que tirei aqui não são suficientes. Parei na burocracia”, reclamou.
A possibilidade é quando seus pais ou algum familiar vier visitá-la na Paraíba e trouxer os papéis que ficaram na cidade de Bolívar. Leidy Rondon explica que deixou na Venezuela pai, mãe e dois irmãos que são mais velhos que ela. Ela conta que nenhum deles tem vontade de morar no Brasil, mas pensam em um dia vir visitá-la em João Pessoa.
Enquanto não consegue trabalhar na área para qual se formou, a jovem venezuelana de 24 anos não perde o foco dos seus objetivos. Leva dentro dela tudo que aprendeu superando os obstáculos que a vida a impôs. Com um sorriso no rosto, um jeito um pouco tímido, falando um português bastante claro, de sotaque quase imperceptível, Leidy Rondon é convicta de que não teria chegado ao Brasil sem perseverança.
“Tudo na vida tem uma solução, a única coisa que não tem solução é a morte. Então você sempre vai ter condições de enfrentar as adversidades e buscar o que for melhor. É preciso trabalhar a resiliência e nunca desistir do que quer. Tem que aproveitar o presente, aprender com cada uma das fases da nossa vida, as boas e as ruins e tirar o melhor de cada situação. Nenhuma fase ruim da vida é eterna”, concluiu.