O japonês Yuichi Ishii, de 38 anos, é solteiro, mas já foi ao altar como noivo cinco vezes. Faz parte de sua profissão. Ele é dono de uma empresa que aluga familiares e amigos — e, por dezenas de vezes, ele foi namorado, pai, filho ou amigo de seus clientes.
A história de sua empresa, chamada Romance Familiar, despertou grande interesse no mundo inteiro. Ishii é o protagonista do documentário Family Romance, LCC, do cineasta alemão Werner Herzog, que teve sua estreia no Festival de Cannes deste ano e recebeu, de críticos, adjetivos como "estranho" e "um Herzog menor, porém divertido e encantador".
"Estranho" também seria um adjetivo adequado — além de "intrigante", talvez — ao caso da menina que, há nove anos, acredita que Ishii é seu pai verdadeiro, uma história que é contada em um podcast da série Que História!, da BBC News Brasil.
Ishii defende os serviços que oferecem alegando que são "uma necessidade" na sociedade japonesa atual, com taxas de natalidade em declínio e uma grande "preocupação com aceitação moral ou com que os outros dizem".
O país também tem uma das menores taxas de fertilidade (filhos por mulher em idade reprodutiva) do mundo, a maior idade média do mundo (46,3, em 2015), o maior percentual de pessoas com mais de 65 anos e um ritmo de encolhimento populacional preocupante, com mortes superando nascimentos.
"Seria melhor que a nossa sociedade não precisasse desse tipo de serviço, mas, por enquanto, não é assim. Vivemos em um tempo em que é necessário complementar as relações atuais com aluguel."
A descoberta do nicho
Ator de formação, que fazia bicos como participações em videoclipes da boyband japonesa Arashi, Ishii teve a ideia de criar a empresa após descobrir um nicho novo para profissionais de sua área.
"Há 10 anos, uma amiga me pediu ajuda", contou ele ao programa Outlook, da BBC. "Ela queria matricular seu filho num jardim de infância, mas foi recusada por ser mãe solteira. Na entrevista seguinte, fui com ela fazendo de conta que eu era seu marido. Nunca tinha feito isso antes. Foi um desastre. Não sabia como agir direito com a criança. Não sabia o que dizer como pai."
A experiência fez Yuichi notar a demanda por pessoas treinadas, que pudessem posar de amigo ou parente.
"Resolvi me preparar", contou. Assistiu a filmes japoneses e a comédias românticas americanas que centravam em torno de relações familiares. "Esses filmes me ajudaram a entender as dinâmicas de famílias. Eu decorava frases, tomava notas sobre a interação entre diferentes membros de uma família, sobre como ser um certo tipo de pai ou marido."
Em 2009, fundou a empresa, que hoje tem 20 funcionários fixos e usa cerca de mil atores freelancers — homens e mulheres, que fazem tios, tias, avôs e avós, filhas, esposas.
O nome da empresa foi inspirado em um ensaio homônimo de Sigmund Freud, sobre a fantasia da família ideal que crianças têm.
"Pode ser que um cliente precise de pais para apresentar à noiva ou ao noivo, porque, por alguma razão, não quer ou não pode apresentar os pais verdadeiros. Ou que uma moça precise de um amigo para passear e fazer compras com ela."
"Podemos também ser apenas os convidados de uma festa, de um casamento, ou de um funeral."
A empresa organizou 8 mil casamentos e 700 funerais, diz Ishii.
De noivo a amante gângster
Um dos papéis mais curiosos — e perturbadores — interpretados pelo empresário-ator é o do amante gângster, um personagem usado quando uma mulher infiel quer pedir desculpas ao marido.
"Funciona assim: me visto de gângster, com tatuagens e óculos escuros. Quando o marido abre a porta, fica intimidado, acha que sou da yakuza (a máfia japonesa). Mas antes dele falar qualquer coisa, eu me ajoelho, faço um drama, choro, peço mil desculpas por ter tido um caso com a mulher dele. O marido fica em choque… Ele acaba aceitando, e fica aliviado quando vou embora."
Esse exemplo expõe um dos aspectos mais intrigantes dessa atividade: o uso do artifício, da fraude, na realização de um serviço legal e remunerado. No Japão, a elaboração da farsa de um casamento, por exemplo, mesmo que engane parentes ou amigos da noiva ou noivo, é vista, nesse contexto, como um serviço legítimo.
E o que acontece se alguém descobre que foi enganado em um dos eventos da Romance Familiar? Ishii diz que isso nunca acontece, porque seus funcionários estão sempre bem preparados.
"Isso é o mais importante nesse negócio, não ser pego. Se uma criança para quem estou fazendo o papel de pai me vir dando entrevista na TV e perguntar por que usei o nome de Yuichi, eu digo que esse nome é falso, que fui pago por uma empresa para fazer esse papel. Isso nunca aconteceu, mas tenho certeza de que posso convencer a criança."
E esse argumento é reforçado pela história da menina — hoje uma jovem moça — que há nove anos acha que Yuichi é seu pai. Ele fora contratado pela mãe dela, que tinha se separado do marido abusivo quando a filha ainda era bebê. Sob anonimato, ela contou a BBC como chegou à decisão de alugar um pai para sua filha, que era vítima de bullying na escola.
"A professora me contou que quando os amigos dela descobriram que ela não tinha um pai, começaram a maltratá-la. Minha filha ficava retraída, não saía do quarto. Ela ficou tão infeliz que não queria mais ir à escola. Sempre perguntava pelo pai."
A mãe não queria contar a verdade para a filha, que o pai biológico tinha sido abusivo e que ela se separara dele. Mas a menina sabia que ele tinha saído de casa depois que ela nasceu. Por isso, segundo a mãe, se culpava por isso.
"Estava desesperada. Partia meu coração ver ela tão triste e se culpando. Ela certamente se sentiria melhor se eu achasse um homem que fosse carinhoso e atencioso, um bom pai. Sabia que alugar um pai era uma solução drástica, mas era uma solução.
A mãe fez um teste com cinco atores, e escolheu Ishii, com quem que achou mais fácil conversar. Eles se encontraram algumas vezes para combinar a história de como o pai voltaria à vida da família. A ideia era contar que ele tinha se casado de novo, que tinha outra família, mas que ele queria se reconectar com eles.
"Perguntei se ela queria vê-lo. No começo, ela ficou paralisada, chocada. Mas depois de um tempo, disse que queria vê-lo. E marcamos a visita."
Ishii disse que, na primeira visita, a menina não queria deixá-lo entrar no quarto dela. "Quando finalmente entrei, ela estava escondida embaixo da coberta. Olhei em volta para ver se achava algo que me ajudasse a me conectar com ela, quando vi um pôster do Arashi."
Arashi era a banda de cujos videoclipes Ishii tinha participado no início da carreira. Um detalhe na vida real dele, que acabou ajudando-o a representar o novo papel de pai.
"(Quando contei que tinha participado co vídeo clipe) Ela disse 'Você tá brincando!', e abriu um sorriso. Começamos a conversar e, devagar, ela foi se abrindo."
A mão disse que, aos poucos, a menina foi ficando mais feliz, queria sair mais, conversar, falar sobre a escola. "Comecei a achar que tinha feito a coisa certa. Teve um dia em que fomos a um encontro com pais na escola, estávamos no fundo da sala. Ela sempre olhava pra trás, pra gente, parecia tão feliz.
Ishii, que ganhava cerca de US$ 200 toda vez que era alugado, geralmente por períodos de quatro horas, para fazer o pai da menina, disse ter notado a mudança na menina. E logo, também se viu confrontado por dilemas morais.
"Começamos a sair só os dois. Levei ela pra Disneylândia, e ela segurou na minha mão pela primeira vez. Eu disse que amava ela, como um pai diz. Sou humano, seria mentira se dissesse que não sentia um certo conflito emocional ao dizer que a amava. Mas é um negócio, tenho que me lembrar disso."
A mãe também tinha de ser lembrada de que aquilo era apenas um contrato.
"Quando estávamos juntos, os três, era como uma família mesmo", diz ela. "Dávamos risadas, a gente se entendia. Eu disse a ele que queria que fosse uma família de verdade, mas ele sempre me dizia na cara que aquilo era apenas um trabalho."
Até a gravação da entrevista ao programa Outlook, em maio, a menina ainda acreditava que Ishii era seu pai. Ele não nega estar preocupado com o desenrolar da história, com a reação da moça ao, eventualmente, descobrir a verdade.
"Prefiro nem pensar no que faria se ela descobrisse. Oitenta por cento de mim torcem para que ela aceite bem isso e me agradeça por ter sido seu pai. Os outros 20% acham que ela vai ficar arrasada", diz ele.
A mãe acredita ter feito a coisa certa, e que essa situação é bem mais comum do que muitos poderiam pensar. "Acho que há várias famílias assim, com pais que têm filhos adotados, que não dizem a eles que são adotados. Nossa situação é parecida."
Ela diz que a menina não teve mais problemas na escola, passou com mais serenidade pela adolescência e faz curso para trabalhar como cuidadora de cães.
"Nossa relação está indo tão bem, quero que isso dure o máximo possível. Quero que Yuichi vá ao casamento dela, que seja o avô de seus filhos.