Isabel dos Santos, a mulher mais rica da África e filha do ex-presidente de Angola, José Eduardo dos Santos, que comandou o país por 38 anos, enriqueceu através de sofisticados esquemas de corrupção e dinheiro público, conforme revelaram diversos veículos internacionais no domingo (19).
Cerca de 700 mil documentos foram vazados e divulgados por integrantes do Consórcio Internacional de Jornalistas, que conta com veículos como os britânicos BBC e The Guardian, o francês Le Monde e o jornal norte-americano The New York Times. O escândalo foi intitulado “Luanda Leaks”.
As investigações apontam que parte da fortuna estimada em 2,2 bilhões de dólares (cerca de R$ 9,16 bilhões), foi conseguido através de esquemas de corrupção com a companhia estatal de petróleo Sonangol e outras empresas públicas. Isabel e seu marido, Sindika Dokolo, usaram empresas de fachada e paraísos fiscais para conseguir encobrir as negociações.
Segundo a BBC, Isabel diz que as alegações contra ela são falsas e que existe uma caça às bruxas com motivações políticas por parte do governo angolano. Ela já está sendo investigada pelas autoridades angolanas por corrupção e seus bens foram congelados.
Controle das estatais
Durante o governo do pai, Isabel assumiu a liderança da petrolífera Sonangol em 2016. Durante os 38 anos em que o pai controlava o poder, a família dos Santos era quase intocável.
Quando o pai se aposentou, em setembro de 2017, a presidência de Isabel na empresa foi ameaçada e ela foi demitida dois meses depois. O sucessor ao cargo foi escolhido diretamente pelo novo presidente, João Lourenço.
Em documentos divulgados pela BBC, Isabel aprovou pagamentos de cerca de 58 milhões de dólares (aproximadamente R$ 242 milhões) para uma empresa de consultoria em Dubai chamada Matter Business Solutions. Os pagamentos continuaram mesmo depois que ela foi demitida. Uma das contas chegam a quase um milhão de dólares.
Apesar de Isabel alegar que não há interesses financeiros na empresa, documentos vazados revelam que a Matter é controlada por um amigo pessoal da herdeira.
Empréstimo entre amigos
Além da petrolífera, Isabel também é dona de uma parcela da empresa de energia portuguesa Galp, que uma de suas empresas comprou da Sonangol em 2006. Segundo documentos obtidos pela BBC, ela teve que pagar apenas 15% do valor inicial e os outros 63 milhões de euros (cerca de R$ 292 milhões) foram convertidos em empréstimos com valores baixos pela Sonangol.
Com isso, sua dívida com o povo angolano não teve que ser paga por 11 anos. Agora, a parte de Isabel na Galp é avaliada em mais de 750 milhões de euros (cerca de R$ 3,4 bilhões).
Em 2017, ela chegou a fazer uma oferta para pagar o empréstimo. Teoricamente, a Sonangol não poderia ter aceitado porque o valor oferecido não incluía 9 milhões de euros (cerca de R$ 42 milhões) em juros devidos. Como era a própria Isabel quem comandava a empresa, os termos foram aceitos.
Menos de uma semana depois, Isabel perdeu seu cargo na Sonangol e o novo comando da empresa devolveu o dinheiro. Até hoje, o empréstimo não foi pago e as duas partes discutem sobre o valor devido.
A empresária disse que "não foi feito nada errado" na transação e que o investimento gerou "muitos benefícios" para a estatal.
Diamantes e terra
Em 2012, o marido de Isabel, Sindika Dokolo, fez uma "parceria" semelhante com a Sodiam, empresa estatal de extração de diamantes. As duas partes seriam sócias na compra de parte da joalheria suíca De Grisogono, que passava por problemas financeiros.
O negócio, no entanto, foi todo pago com recursos públicos. Registros mostram que a Sodiam injetou US$ 79 milhões (cerca de R$ 331 milhões) na empresa, enquanto Dokolo contribuiu com US$ 4 milhões (cerca de R$ 16,7 milhões). Paralelamente, a empresa pagou a ele uma comissão de US$ 5,5 milhões (R$ 21 milhões).
Os documentos também mostram que a Sodiam emprestou o dinheiro para fazer o negócio de um banco privado cuja principal acionista é Isabel dos Santos. Além de prever juros de 9% ao ano, o contrato ainda era garantido por um decreto presidencial.
Com os juros, o empréstimo garantido e a péssima situação financeira da joalheria suíca, a Sodiam perdeu mais de US$ 200 milhões (cerca de R$ 837 milhões), segundo a nova diretoria da empresa.
Mas isso não é tudo. O pai de Isabel concedeu ao genro uma licença para explorar diamantes brutos a preços baixíssimos. Calcula-se que o prejuízo para o governo tenha sido de quase US$ 1 bilhão (cerca de R$ 4,19 bilhões).
Segundo a BBC, os documentos também mostram como a filha do ex-presidente comprou terras que pertenciam ao governo em condições mais do que favoráveis. Em setembro de 2017, uma de suas empresas adquiriu um terreno de 1 km² de frente para o mar em Luanda por um valor irrisório.
Mais uma vez, ela usou decretos assinados por seu pai para pagar apenas 5% dos quase US$ 96 milhões (cerca de R$ 406 milhões). Dezenas de famílias foram deslocadas da área e colocadas em um conjunto habitacional a cerca de 50 quilômetros de Luanda.
Empréstimo suspeito
Parte considerável da fortuna de Isabel dos Santos veio das telecomunicações. Em 2000, ela comprou 25% das ações da Unitel, a maior operadora de celular de Angola, um ano depois que a empresa recebeu permissão para funcionar de seu pai.
Até hoje, a Unitel já pagou à filha do ex-presidente cerca de US$ 1 bilhão (cerca de R$ 4,19 bilhões). As ações dela também têm valor de mercado avaliado em US$ 1 bilhão.
Mas não fica só nisso. Isabel conseguiu com a Unitel um empréstimo de 350 milhões de euros (cerca de R$ 1,6 bilhão) para a Unitel International Holdings. Apesar do nome, a empresa não pertence à operadora. A dona da empresa é Isabel dos Santos.
Os documentos mostram um imenso conflito de interesse. A bilionária basicamente emprestou dinheiro para si mesma.
Em vários sesses negócios, ela contou com consultorias internacionais, que supostamente fariam auditorias. Os contratos milionários com algumas delas estão sendo revisados e algumas dessas empresas já anunciaram que não irão fazer mais negócios com a família Santos.