Há duas semanas, Cláudia Aparecida Fernandes Nascimento foi presa por atropelar e matar o ex-marido, Adriano Joaquim Sampaio, em Ituverava (SP). Ela gravou um vídeo em seguida:
“Acabou. Quem achou que eu não teria coragem, acabou”, diz no início do vídeo.
“Sabe onde está o Adriano Alemão? Debaixo do meu carro, morto”, confessa, visivelmente alterada. Em seguida, revela que o motivo do crime foi uma ameaça de morte: “Porque ele falou que eu não ia amanhecer viva”.
Na avaliação da psicóloga Adriana Severine, especialista em terapia cognitivo-comportamental, Cláudia matou o ex-marido porque “estava em um grau extremo de desespero”.
“Ela perdeu a consciência de tudo porque queria se ver livre daquela situação. O desespero foi tanto que ela matou a pessoa. Se a família tivesse ajudado, isso não teria acontecido”, opina.
A defesa de Cláudia diz que ela sofria violência física e psicológica durante todo o relacionamento, que durou cerca de dois anos. Essa situação pode prejudicar de diversas maneiras o lado emocional da vítima, de acordo com Adriana.
“Pode levar ao estresse pós-traumático, depressão e tentativa de suicídio”, afirma a psicóloga. Ela ressalta que os transtornos podem se manifestar a médio e longo prazos.
“Mesmo quando [a violência] cessa, as consequências podem aparecer cinco, dez anos depois. Muitas vezes, as pessoas ao redor não entendem isso e fazem com que a mulher sofra ainda mais”, pondera.
Vítimas têm traços emocionais em comum
Todas as mulheres vítimas de violência doméstica que Adriana atende em seu consultório têm características emocionais em comum. O medo é o principal sentimento.
“É um medo que paralisa, aterroriza e a deixa sem saber o que fazer. Elas temem que o parceiro vá realmente matá-las e matar os filhos”, ressalta.
A culpa também é constante: “Elas têm tendência a se sentirem culpadas, acham que realmente fizeram algo para merecer aquilo e isso dificulta a procura de ajuda”.
A psicóloga ainda ressalta o medo de ficar sozinha e a crença de que o agressor vai mudar. Entretanto, segundo ela, é ilusão acreditar que isso acontece de maneira espontânea, mesmo com a atitude típica de arrependimento após a agressão.
“A pessoa que comete violência sempre volta arrependida depois. Mas a tendência é o grau de violência aumentar”, enfatiza. “Se o agressor não fizer um tratamento, ele não muda”, completa.
Sinais de depressão
Sofrer violência doméstica também faz com que as vítimas apresentem mudanças de comportamento, entre elas o silêncio, isolamento e a utilização de roupas fechadas mesmo no calor, para esconder marcas de agressão.
“Elas começam a ficar introspectivas, procuram não sair de casa, sorriem muito pouco e começam a dar justificativa para o parceiro sobre tudo o que fazem, como ir ao mercado”, destaca Adriana.
Sinais de depressão — como mudanças no apetite e no sono também acontecem. “Podem ter falta ou excesso de apetite e dormem muito ou pouco”.
Dicas para identificar um relacionamento abusivo
Abusos verbais, ciúmes e o ato de afastar a vítima da família e dos amigos são indícios de uma relação abusiva.
“O parceiro faz muitas críticas ao jeito de falar e de se vestir, começa a diminuir a pessoa e fazer xingamentos como [chamar de] burra, feia e gorda”.
A agressão física é um sinal de que o abuso já chegou ao extremo. “São raros os casos em que o indivíduo bate de uma vez. Normalmente começa com uma violência psicológica e verbal”, alerta.
Além disso, todo relacionamento abusivo pode resultar em feminicídio. O homem mata porque enxerga a mulher como um objeto que o pertence, analisa Adriana.
Questionada se a violência doméstica precisa ser encarada como um problema de saúde pública, Adriana diz que sim.
"Isso só pode ser resolvido por meio da educação. Nós avançamos muito, com a Lei Maria da Penha, por exemplo, mas ainda vivemos em um país extremamente machista."