O senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ) pagou R$ 30 mil com depósitos em dinheiro vivo para ficar com móveis que estavam num apartamento que ele comprou em 2014 na Barra da Tijuca, na zona oeste do Rio de Janeiro.
A informação consta de um depoimento dado pelo antigo proprietário do imóvel ao Ministério Público do Rio de Janeiro. Foram dez depósitos de R$ 3.000 feitos de forma fracionada em outubro e novembro daquele ano.
O uso de recursos em espécie é um dos indícios apontados pelo MP-RJ da existência da "rachadinha" no antigo gabinete de Flávio na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.
A suspeita da Promotoria é de que o ex-assessor Fabrício Queiroz recolhia em dinheiro vivo parte dos salários de funcionários do então deputado estadual para beneficiar o ex-chefe.
Flávio e a mulher, Fernanda, compraram do empresário David Macedo Neto o apartamento num condomínio na avenida Lúcio Costa, na orla da Barra, em agosto de 2014 por R$ 2,55 milhões.
O valor foi quitado por meio de cheques, transferências do casal e um financiamento do banco Itaú. Era nesse imóvel que a família do senador vivia até se mudar para Brasília em 2019.
Os pagamentos em dinheiro vivo foram identificados após a quebra do sigilo bancário do antigo proprietário do apartamento do senador, determinada pela Justiça em abril. Neto e outras 21 pessoas que compraram e venderam imóveis para Flávio foram alvo da medida porque a Promotoria suspeita de lavagem de dinheiro nas transações imobiliárias feitas pelo filho do presidente Jair Bolsonaro.
Em depoimento aos promotores, Neto declarou que os depósitos foram feitos "por Flávio Bolsonaro como pagamento por parte do mobiliário que guarnecia o imóvel".
De acordo com o Ministério Público, foram cinco depósitos de R$ 3.000 feitos no dia 13 de outubro de 2014 e outros cinco de mesmo valor em 13 de novembro de 2014.
O depósito fracionado de dinheiro vivo é visto por investigadores, de maneira geral, como uma forma de tentar fugir do controle do sistema financeiro.
Entradas em espécie a partir de R$ 10 mil devem ser monitoradas pelos bancos e comunicadas, quando necessário, à UIF (Unidade de Inteligência Financeira), o antigo Coaf. Possíveis tentativas de burlar esse controle também são informadas, se detectadas.
O senador foi alvo de uma comunicação ao Coaf por depósitos fracionados em sua conta feitos em 2017. Foram 48 depósitos no valor de R$ 2.000 ao longo de cinco dias no autoatendimento da agência bancária que fica dentro da Assembleia do Rio.
Ele afirmou que realizou a operação dessa forma porque havia recebido em espécie parte do pagamento da venda de um imóvel, o que foi confirmado pelo comprador. O valor foi depositado aos poucos por ele mesmo para evitar fila do banco, disse o senador. O caixa eletrônico tinha como limite R$ 2.000, declarou.
A Promotoria aponta também uma divergência entre o valor declarado e o de fato depositado pelo casal na conta do vendedor. Segundo os dados do MP-RJ, eles transferiram R$ 7.813,04 a mais a Neto. A Promotoria não informou qual foi a explicação dada pelo antigo proprietário sobre essa diferença.
O uso de dinheiro vivo também foi apontado pelos promotores na aquisição de dois imóveis pelo casal em Copacabana, em 2012. O MP-RJ diz que eles pagaram R$ 638,4 mil em espécie ao americano Glenn Dillard, valor este não declarado em escritura e à Receita Federal.
A suspeita dos promotores decorre do fato de Dillard, responsável por vender os imóveis a Flávio e Fernanda, ter depositado ao mesmo tempo em sua conta os cheques entregues pelo casal e a quantia em dinheiro vivo.
Há ainda suspeitas sobre lavagem de dinheiro em espécie na franquia da Kopenhagen do senador no Via Parque Shopping, na Barra. Promotores afirmam que o volume de dinheiro vivo depositado na conta da loja era maior do que em negócios semelhantes e não variava de acordo com o volume de vendas ao longo do ano.
Os investigadores afirmam também que a entrada dos recursos em espécie em favor da empresa coincidia com datas em que Queiroz arrecadava parte dos salários dos empregados do então deputado estadual.
Todas essas operações com dinheiro vivo tinham como objetivo, segundo os investigadores, a lavagem de dinheiro dos recursos obtidos na "rachadinha" do antigo gabinete de Flávio na Assembleia. A prática da "rachadinha" consiste em coagir servidores a devolver parte do salário para os deputados.
O senador é investigado pelo MP-RJ sob suspeita dos crimes de peculato, lavagem de dinheiro, ocultação de patrimônio e organização criminosa.
Procurada, a assessoria de imprensa do senador não comentou o uso de dinheiro vivo na compra de móveis. Em vídeo em suas redes sociais, Flávio criticou a investigação do Ministério Público e se disse perseguido pelos promotores do caso.