Quando estava no Ensino Médio, a cantora Nik Hot sabia que sua identidade representava algo maior que ela mesma, mas não se sentia preparada para se colocar diante da sociedade. Foi somente em outubro de 2018 que sua militância pela causa LGBT ganhou uma nova frente, desta vez, como mulher transexual.
Hoje, aos 23 anos, ela lamenta viver em um país marcado pela transfobia, mas não desiste. Há quatro meses, Nik e o marido, o cabeleireiro Davy Lima, decidiram abrir as portas da própria residência, Bairro Siqueira, em Fortaleza, para acolher pessoas LGBTs – em especial, transexuais – que estejam em condição de vulnerabilidade social e/ou exclusão social e familiar. O lar foi batizado Casa Transformar e abriga sete pessoas.
“A gente ‘tá’ cansada de sofrer, mas nunca vamos cansar de lutar. Já perdi amigas para a transfobia”, revela Nik.
A moradia sobrevive exclusivamente através de doações esporádicas e de bazar realizado na Casa. O dinheiro arrecadado com as vendas de peças de roupas, calçados e brinquedos seminovos ou usados é utilizado para a alimentação e outras demandas.
“A gente faz o bazar de segunda a sexta-feira, das 11h às 16h. Também aceitamos doações de alimentos não perecíveis e eletrodomésticos”, diz Nik.
Segundo ela, resta uma vaga para acolhimento na residência. Para entrar em contato, a fundadora indica que interessados enviem mensagens privadas para o perfil @casatransformar, na rede social Instagram.
Profissionalizar
O projeto de acolhimento tem ainda a proposta de profissionalização para as moradoras. O objetivo é permitir que as pessoas tenham novas oportunidades no mercado de trabalho.
“Algumas pessoas já entraram em contato. Uma menina está com interesse em trazer um curso de design de sobrancelhas, outra está tentando trazer um curso de inglês. A gente já tem aulão de lambada toda semana”, pontua Nik Hot. Ela destaca que pretende “conseguir mais e mais, para que não seja só um local onde as pessoas venham, durmam, acordem, comam e durmam de novo. Eu quero que as meninas tenham ocupação, se profissionalizem, e quanto mais atividades eu puder incluir, eu vou fazer”.
Para a bailarina Sasha Bloom, 25, a Casa Transformar foi uma oportunidade de autodescoberta. Em contato com a arte e a música, ela se sente livre e enxerga as demais moradoras como irmãs.
“Eu morava no bairro São Vicente, perto daqui. Fui expulsa de casa por ser eu mesma. Morava com minha mãe, meu pai e meu irmão, e sempre fui esquecida por ser afeminada. Aqui, eu me sinto realizada como pessoa”, declara.
Uma experiência similar foi vivida por Emily Alves, 21. Antes, ela temia passar pela transição por associar a transexualidade a uma figura marginalizada. “Mas a Nik e as meninas me mostraram uma visão totalmente diferente”, afirma. “Aqui é perfeito, eu amo estar aqui. Nós podemos ser quem somos”.
Carreira artística
Nik Hot é cantora e acolhe pessoas LGBTs em situação de vulnerabilidade. — Foto: Helene Santos/SVM
Nik e o marido se conheceram pela rede social Facebook. Os dois estão juntos há três anos. E Davy foi o principal incentivador de Nik na carreira artística.
“Eu comecei em agosto do ano passado. Sempre quis cantar, mas nunca tive incentivo, todo mundo achava que era impossível. Mas quando eu falei pro Davy, ele já conseguiu produtor, me levou pro estúdio pra gravar, e a gente ‘tá’ aí. Hoje eu sou a primeira travesti funkeira do Ceará”, conta.