Em seu primeiro ato partidário desde que foi solto da carceragem da Polícia Federal na última sexta-feira (8), o ex-presidente Lula afirmou que o PT não precisa fazer nenhuma autocrítica e não nasceu para ser um partido coadjuvante.
As declarações foram dadas nesta quinta-feira (14) durante a reunião da Executiva Nacional do PT em um hotel no centro de Salvador. Em cerca de uma hora, de improviso, ele centrou o discurso na defesa do PT e afirmou que não iria se diminuir nem criticar a si mesmo.
"Vocês já viram alguém pedir para FHC fazer autocrítica? […] Quem quiser que o PT faça autocrítica, que faça a crítica você. Quem é oposição que critica, ela existe para isso […] Na dúvida, a gente defende o nosso companheiro", afirmou o ex-presidente sobre o partido que fundou e que foi atingido em cheio pelos escândalos do mensalão e do petrolão.
Preso por 580 dias na PF em Curitiba, Lula foi beneficiado por um novo entendimento do STF (Supremo Tribunal Federal) segundo o qual a prisão de condenados somente deve ocorrer após o fim de todos os recursos. O petista, porém, segue enquadrado na Lei da Ficha Limpa, impedido de disputar eleições.
Nesta quinta, em Salvador, Lula afirmou que o partido não deve abrir mão de seu protagonismo e que deve lançar candidatos em todas as cidades possíveis na eleição municipal de 2020 para defender o seu legado.
"Nosso partido tem que sair mais forte, mais disposto a brigar. Sabe quem polariza? Quem disputa o título. Um partido só cresce quando disputa", afirmou o ex-presidente.
Ele lembrou que o partido protagonizou as eleições nacionais desde 1989 e disse que vai continuar assim em 2022. "O PT não nasceu para ser um partido de apoio".
No discurso, elogiou o ex-ministro Ciro Gomes (PDT) por sua lealdade, mas disse que não faz sentido a crítica do pedetista de que o PT deveria tê-lo apoiado em 2018: "Ele acha que o Bahia quando vai jogar com o Vitória vai amolecer para o Vitória?", disse.
Também afirmou que, para os antipetistas, o ideal seria uma disputa presidencial entre o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), e o apresentador de TV Luciano Huck (sem partido). E ironizou: "Seria a pausa e a menopausa".
O ex-presidente voltou a criticar parcela do Judiciário, do Ministério Público e da Polícia Federal. Disse ser um profundo respeitador do Ministério Público, mas afirmou que quase todos os procuradores "pertencem a uma casta cujo único grande trabalho foi prestar um concurso".
Afirmou que defende uma Polícia Federal forte, mas que uma instituição forte não pode fazer politicagem. Ainda criticou o ex-juiz e ministro da Justiça, Sergio Moro, a quem mais uma vez chamou de canalha.
Mesmo com as críticas, afirmou que não sente ódio e que não quer se vingar de ninguém. "Eles não vão conseguir me devolver 580 dias, mas não tem problema", afirmou.
Ao buscar um discurso um pouco mais conciliador, afirmou que nenhum presidente fez uma gestão mais ampla do que ele, atendendo desde empresários a trabalhadores sem-teto.
Lula ainda fez críticas à gestão de Jair Bolsonaro, com poucas referências diretas ao presidente. Na principal delas, afirmou querer travar uma disputa política democrática com ele.
"Bolsonaro que não pense que eu quero brigar com esses milicianos. Não quero. Essa briga resultou na [morte de] Marielle [Franco]."
Por fim, falou que vai lutar para recuperar os seus direitos políticos, mas evitou cravar que deseja voltar a disputar à Presidência da República. Disse que quer subir a rampa do Planalto em 2022, mas não necessariamente como presidente.
"Posso subir a rampa em 2022 levando o companheiro [Fernando] Haddad, levando o companheiro Rui [Costa, governador da Bahia] ou outros companheiros do PT", afirmou.
Lula permaneceu preso de 7 abril de 2018 a 8 de novembro de 2019 em uma cela especial da Superintendência da Polícia Federal, em Curitiba. O local tinha 15 metros quadrados, com banheiro, e ficava isolado no último andar do prédio. Ele não teve contato com outros presos, que ficavam na carceragem, no primeiro andar.
O petista foi condenado em primeira e segunda instâncias sob a acusação de aceitar a propriedade de um tríplex, em Guarujá (SP), como propina paga pela empreiteira OAS em troca de um contrato com a Petrobras, o que ele sempre negou.
A condenação foi confirmada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), que fixou a pena em 8 anos, 10 meses e 20 dias. O caso ainda tem recursos pendentes no tribunal e pode ser remetido ao STF.
Lula já havia cumprido um sexto da pena e, antes da recente decisão do Supremo, reunia condições para deixar o regime fechado de prisão.
Nas próxima semanas, porém, o Supremo pode anular todo o processo do tríplex, sob o argumento de que o juiz responsável pela condenação, o hoje ministro Sergio Moro, não tinha a imparcialidade necessária para julgar o petista. Não há data marcada para esse julgamento.
Além do caso tríplex, Lula foi condenado em primeira instância a 12 anos e 11 meses de prisão por corrupção e lavagem no caso do sítio de Atibaia (SP). O ex-presidente ainda é réu em outros processos na Justiça Federal em São Paulo, Curitiba e Brasília. Com exceção de um dos casos, relativo à Odebrecht no Paraná, as demais ações não têm perspectiva de serem sentenciadas em breve.
Em Salvador, do lado de fora do hotel, um grupo de cerca de 200 militantes aguardava para saudar o ex-presidente e fez discursos em um carro de som. Lula não saiu para cumprimentar o público, mas, no discurso, chorou ao agradecer a solidariedade dos partidários.
Aliados do ex-presidente falaram sobre o papel que será cumprido pelo petista nos próximos anos e o tom que deve ser adotado pelo partido na oposição a Bolsonaro.
O senador Jaques Wagner (PT-BA) disse considerar um equívoco fazer uma leitura sobre o tom político que será adotado por Lula com base nos primeiros discursos que ele fez após sair da cadeia.
"Você pedir que alguém que ficou 580 dias preso injustamente saia falando de flores, óbvio que não", disse. Para Wagner, contudo, o ex-presidente deve adotar a posição que marcou os seus anos na Presidência da República [2003-2010].
"Sei que tem muita gente que torce por uma polarização. Mas o povo quer Lula aqui fora para resolver problemas, e não para brigar com o rapaz lá [Bolsonaro]. Até porque os tamanhos são muito diferentes, ele não merece isso", afirmou.
Presidenciável derrotado na eleição de 2018, Fernando Haddad (PT) afirmou que Lula irá ajudar o partido a reconstruir um projeto para o país, com propostas que façam contraponto à gestão de Jair Bolsonaro.
"Não existe democracia sem oposição. Lula reforça a oposição. Mas não é uma oposição ao país, mas ao projeto que o Bolsonaro representa, um projeto intolerante, que joga na violência e está criando antagonismos", disse.
Lula desembarcou em Salvador na noite desta quarta-feira (13), quando participou de um jantar no Palácio de Ondina, residência oficial do governador Rui Costa.
Além do anfitrião, participaram do jantar os governadores petistas Fátima Bezerra (Rio Grande do Norte) e Wellington Dias (Piauí), Haddad, Wagner e a presidente do PT, Glesi Hoffmann.
O ex-presidente fica na Bahia até o próximo sábado (16) e vai descansar em uma praia no litoral norte do estado com a namorada, Rosângela da Silva. No domingo (17), participa do Festival Lula Livre, no Recife.