O estado brasileiro foi considerado culpado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) pela impunidade que se seguiu ao assassinato da estudante paraibana Márcia Barbosa de Souza, ocorrida em junho de 1998 e que teve como autor – segundo a própria justiça paraibana – o então deputado estadual Aércio Pereira. A Comissão concluiu que a imunidade parlamentar vigente no país provocou um grave atraso no processo, que resultou na violação dos direitos e das garantias judiciais e dos princípios de igualdade e de não discriminação em prejuízo do pai e da mãe da vítima.
A CIDH é um órgão autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA) e, como o estado brasileiro não reconheceu sua culpa na questão, decidiu levar o caso para a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH). A decisão foi publicizada na última sexta-feira (1º).
No processo, a CIDH cita nominalmente o "estado brasileiro", mas o relatório do órgão internacional afeta de forma direta instituições como o Poder Judiciário, a Polícia Civil, a Assembleia Legislativa e o Governo da Paraíba. Isso porque a Comissão lembra que todo o processo em torno do assassinato durou nove anos, que várias diligências para o esclarecimento das responsabilidades criminais deixaram de ser realizadas sem uma justificativa plausível, e que depois de morto o deputado estadual foi velado com honras de estado.
A Comissão diz ainda que houve deficiência na coleta de provas e que as autoridades públicas não esgotaram todas as linhas de investigação. Tudo isso teria provocado uma situação incompatível ao dever de investigar que possui o estado.
O crime foi cometido em 1998, Aércio Pereira foi condenado pela justiça em 2007, mas morreu menos de um ano depois da condenação, sem ter passado um único dia na cadeia. O corpo dele foi velado no salão nobre da Assembleia Legislativa da Paraíba (ALPB) e o Governo do Estado, à época, declarou luto oficial de três dias.
Para a CIDH, trata-se de um assassinato resultante de um gravíssimo ato de violência contra a mulher, cuja impunidade foi consumada justamente com a morte e com o velório com honras quase dez anos depois do crime.
A nota, inclusive, lembra que no dia do assassinato o corpo da estudante foi jogado em um matagal depois de atos de severa violência e que todo o longo processo afetou a integridade psíquica dos familiares de Márcia Barbosa de Souza.
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos recomenda no processo que o estado brasileiro repare integralmente as violações de direitos humanos ocorridas em seu território e que garanta medidas de atenção à saúde física e mental para a devida reabilitação dos pais da estudante Márcia Barbosa de Souza.
Recomenda também a reabertura das investigações com o objetivo de esclarecer todos os fatos que cercam o assassinato – visto que até hoje ninguém foi preso – e averiguar também os retardos processuais que culminaram na impunidade dos responsáveis. A CIDH quer ainda que o Brasil se comprometa a regular as regras sobre imunidade de altos funcionários de estado, incluindo aí a imunidade parlamentar, a fim de evitar que essas leis protejam casos de violações de direitos humanos.
Por fim, o documento cita a importância do país continuar adotando todas as medidas necessárias para o cumprimento integral da Lei Maria da Penha e dispor de todas as medidas legislativas, administrativas e de políticas públicas para prevenir, investigar e punir a violência contra a mulher no Brasil.