Érica não tinha sequer completado 25 anos, mas a rotina de trabalho já a consumia de uma forma que a deixou paralisada diante do que ainda precisava viver. Era quase metade do ano de 2018. A agência de produção de conteúdo criada por ela estava a todo vapor. Trabalhava até tarde, acordava cedo e o resultado era um sono curto, um descanso até desgastado. Até que um dia qualquer, acordou, sentou para trabalhar, em casa mesmo, e sentiu que não queria mais viver aquela vida. “Era como se toda minha vida não tivesse sentido”, relata Érica Rodrigues, jornalista que hoje tem 25 anos.
Nesse momento, Érica percebeu que não estava bem. “Não tinha mais vontade de trabalhar. Comecei a chorar e na mesma hora eu me questionei se isso era normal”, declara. Procurou então a ajuda mais fácil: a internet.
Escreveu no Google palavras buscadas por muitas pessoas. Sintomas de depressão. O site listava nove e orientava que se o paciente se identificasse com cinco desses sintomas, era melhor buscar ajuda profissional. Érica marcou seis. Entre eles, o sono que havia mudado radicalmente. “Seria capaz de dormir o dia inteiro”, assume. Parou de fazer tudo que gostava, inclusive algo que, no futuro, iria ajudar na recuperação, como a corrida de rua. Parou tudo.
Embora hoje consiga relatar como tudo começou, na época Érica não percebeu em que situação estava. Depois do dia em que nem trabalhar lhe satisfazia, ela procurou um psiquiatra. Foi diretamente na ajuda médica. Antes disso, passou cerca de 15 dias com os pais no interior da Paraíba, com o objetivo de tentar resolver o que sentia com a presença da família. Ajudou um pouco, mas não resolveu o problema.
“Um grande sintoma da depressão é a sensação de desesperança, porque a gente não consegue sentir esperança nenhuma, não vai ter jeito para nada na vida, e por mais que as pessoas falem que vai dar certo, a sensação é que vai ficar para sempre”, desabafa.
Quando retornou para João Pessoa, o que antes era agonia, agora era choro constante. “Até que chegou naquele ponto do estereótipo do depressivo, na cama vários dias, sem levantar, só comia porque trazia comida para mim”, relata.
‘Tirei forças não sei de onde’
Em junho de 2018, Anthony Bourdain se suicidou no quarto de um hotel na França, com 61 anos. Ele era chef, apresentador e escritor. Tinha a vida que muitos queriam: viajava o mundo contando histórias. “Fiquei muito chocada, eu admirava muito o trabalho dele, era a vida que eu sonhei. Como esse cara deixou esse emprego”, se questionava. “Eu já tinha entendido nesse momento que suicídio é um processo lento até você simplesmente não aguentar mais”, completa.
A história de Anthony ajudou Érica a refletir sobre várias questões, inclusive sobre o seu lugar, até certo ponto privilegiado, de poder buscar ajuda. “Eu pensei que ele tinha recursos para se tratar e ele deixou a vida dele chegar nesse ponto e não conseguiu ir atrás de resolver isso. E eu pensei que eu não podia deixar isso acontecer com a minha vida”.
Foram quatro meses para o corpo e a mente aceitarem a ajuda psiquiátrica. A maior dificuldade estava em outro sintoma da depressão: o isolamento. Érica não sabia como iria falar sobre o que sentia para uma pessoa que sequer conhecia. “Meu problema era falar. Tirei forças não sei de onde e fui. Ele diagnosticou a depressão, passou medicamento e me explicou que no começo seria bem intenso”, conta. Érica sabia que precisava enfrentar. Não poderia desistir.
Aos poucos, encontrou melhoras. Começou a falar desesperadamente. Era como se a voz tivesse voltado ao corpo. Os gestos ganharam vida. A comunicação, que antes era parte da sua vida e por tanto tempo ficou apagada, voltou com força. Era como se renascesse um pouco.
Depois da tempestade, as mudanças
Foi com a ajuda psiquiátrica e também psicológica que Érica Rodrigues entendeu que precisava mudar algumas rotinas. Hoje trabalha com a mesma coisa que sempre trabalhou, mas mudou algumas manias. Com a terapia, entendeu que precisava encontrar um limite. Então hoje não trabalha mais no fim de semana. Também começou a dormir cedo. E o principal, voltou a correr.
“Eu percebi que só ia dar certo se eu me dedicasse. Várias coisas influenciam: comer bem, fazer exercício físico, não exagerar nas coisas que levaram você até ali (quando você descobre quais são)”, relata Érica. Então começou a deixar os horários mais rígidos, sem deixar a medicação de lado.
O primeiro medicamento fez efeito de imediato. Tinha a sensação de bem estar, de simplesmente querer levantar. Fazia tanto tempo que se sentia bem, que estranhou a sensação.
Oito meses depois, o médico tentou administrar o tratamento e tirar o remédio aos poucos. Mas Érica começou a ter dias ruins. E o problema foi aumentando. Piorou também o pensamento suicida. “Qualquer coisa que acontecia eu já pensava que eu queria morrer. Nunca cheguei a planejar nada, mas tinha essa sensação de que a única solução seria se eu morresse”, declara.
Érica usa redes sociais não apenas como parte da profissão e hobby, mas também para falar sobre depressão — Foto: Reprodução/YouTube/Rota Principal
Há dois meses Érica toma um novo medicamento. Precisou também da fase de adaptação, devido aos efeitos colaterais. Hoje está bem. Junto com a nova medicação, começou a tratar também da mente, com a terapia. “Eu estou gostando muito mesmo, tem me ajudado bastante”, revela.
Na terapia conseguiu identificar questões importantes que estão ajudando a subir degrau por degrau. A raiz do problema, pelo que identificou, é a auto-cobrança. Trabalha demais porque pensa que não merece trabalhar menos, não merece folga. “Ela tem me ajudado a entender qual o espaço da minha vida pessoal não relacionada ao trabalho. É um processo doloroso, que mexe em muita coisa, mas que ajuda bastante”.
Trabalho e hobby como escape
O trabalho foi um mal logo no começo, é verdade. Mas, hoje, também ajuda Érica a lidar com a depressão. Além da produção de conteúdo, ela alimenta um site e um canal no YouTube. Fala sobre várias coisas, incluindo alimentação, viagens e, em determinado momento, sentiu que também precisava falar sobre depressão. “As pessoas não entendem como funciona, que é mesmo uma doença como qualquer outra e, principalmente, as pessoas não entendem como lidar com as pessoas nesse estado”, diz.
É difícil lidar com as questões pessoais. Falar sobre isso, então, um desafio. A maioria, como lembra Érica, se isola. “A gente fica numa postura muito passiva, a gente não tem energia nem para tomar um banho, quanto mais para revidar a fala de alguém. Então eu achei que eu poderia ajudar de alguma forma”, disse.
Érica também encontrou mais uma forma de ajudar a caminhar. Adotou um gato. Sempre quis ter um, mas, apesar de não morar com a mãe, ela dizia que não daria certo, porque dava muito trabalho. Para não confrontar a mãe, aceitou. Mas quando começou a ficar cada dia pior, leu em algum local que animais ajudavam no tratamento. Apareceu o gatinho abandonado e ela adotou.
Diagnóstico psiquiátrico
Segundo o psiquiatra Charlles Lucena, a depressão e os transtornos de ansiedade são diagnosticados a partir da percepção de uma série de sintomas psíquicos e, às vezes, físicos, que acarretam prejuízos importantes na qualidade de vida do paciente por um período não inferior a duas semanas.
“Normalmente, na depressão, o que chama mais atenção é a presença de um humor deprimido, rebaixado, triste ou irritado, e da anedonia, que seria a incapacidade de sentir prazer nas atividades que antes proporcionavam isso. A presença de um desses sintomas, apresentados a outros, como alteração de sono, desmotivação, desânimo, leva o médico a pensar num quadro depressivo”, explica o médico Charlles Lucena.
Já o transtorno de ansiedade tem a presença de sintomas físicos como taquicardia, palpitação, tremores, sudorese, sensação de morte, sensação de perda de controle, associado a um fator extensor presente ou distante. Segundo Charlles, a ansiedade também é diagnosticada pelo profissional de saúde quando começa a acarretar dano na qualidade de vida do paciente.
Em casa ou no convívio com essas pessoas, é possível fazer um pré-diagnóstico, inclusive para identificar que, de fato, aquela pessoa precisa de ajuda. “É muito importante a percepção pelos familiares nas mudanças do padrão de vida e no comportamento do indivíduo”, relata.
O que pode ser percebido na rotina:
A pessoa se mostra mais irritada ou mais apreensiva;
O paciente tende a ficar mais nervoso;
Alterações de sono;
Alterações de apetite;
Mudança no rendimento profissional ou acadêmico;
Isolamento.
Diferenças entre ansiedade e depressão
É preciso entender que a depressão e a ansiedade são transtornos diferentes. Enquanto a depressão está relacionada a uma alteração de humor, por ser um transtorno relacionado a isso, a ansiedade está relacionada ao medo, à insegurança em relação ao futuro e uma possível ameaça presente ou mesmo ausente.
A ansiedade, no entanto, não evolui para uma depressão, conforme o psiquiatra Charlles Lucena. “A presença de um transtorno ansioso pode gerar, em consequência, um quadro depressivo secundário a essa ansiedade, e não necessariamente ser uma evolução da mesma”, esclarece o médico.
O tratamento para as duas doenças é feito a base de medicamentos antidepressivos e ansiolíticos, além de psicoterapias. “A gente sabe hoje que a junção do tratamento medicamentoso com o psicoterápico é muito eficaz para resolução desses casos. É importante que quanto mais precoce for a procura por tratamento, mais eficaz é a resposta a ele”, explica o psiquiatra.
O psicólogo Alécio Sampaio destaca a Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT) como tratamento. Ele explica que o paciente que sofre com os transtornos de ansiedade e de humor, geralmente se empenha para anular as emoções, pensamento e as sensações desconfortáveis. “O paradoxo é que quando mais ele se engaja nos comportamentos de fuga e esquiva, mais intenso ficam seus desconfortos internos”, explica.
O papel do terapeuta, portanto, seria auxiliar o paciente a entender seus próprios comportamentos, emoções e pensamentos que estão contribuindo para que o sofrimento se intensifique. Dessa forma, segundo o psicólogo, “é possível desenvolver habilidades psicológicas mais flexíveis, para que ele desista de lutar contra seus próprios pensamentos e emoções difíceis”, diz Alécio.
O mais importante é saber que não há um perfil definido para a depressão ou transtorno de ansiedade. São transtornos universais e que podem ocorrer com pessoas de qualquer gênero, qualquer idade, qualquer classe social. “Pode atingir qualquer um de nós em qualquer momento da vida”, enfatiza Charlles Lucena.